Como funciona a psicanálise?
- Ana Piaceski

- 18 de jan. de 2023
- 4 min de leitura

Alguém não está bem e faz uma aposta em um analista escolhido, agenda uma sessão mas é necessário muito mais do que agendar, há que se apostar a cada sessão de análise que algo possa sair dali, de produzir um saber sobre si mesmo. Para isso, cada um leva o seu tempo e durante este tempo algo acontece para tornar o trabalho de análise possível.
Toda relação é uma construção no espaço e no tempo de cada um. No trabalho na clínica de psicanálise a construção da relação terapêutica se dá através do que chamamos de transferência. Esta tal relação entre analisando (paciente) e analista, se constrói como o "motor" que torna possível haver um trabalho clínico em psicanálise.
O que é a transferência?
A transferência é um tipo especifico de relação que o paciente tem com o terapeuta na função de psicanalista, mas também diz dos sentimentos que o paciente projeta em relação ao terapeuta, sobretudo com o lugar que o paciente sede ao seu analista.
Às vezes o paciente sente raiva do terapeuta, o que não é bom para o trabalho de análise, é importante que o paciente tenha o seu analista um lugar respeitável, para que o analista em suas intervenções seja escutado pelo paciente como algo importante a respeito dele mesmo e não como uma forma de ataque ou punição para o paciente.
Como ela acontece?
Nas relações que temos no nosso dia a dia estamos o tempo todo transferindo nossas percepções sobre traços que captamos de uma pessoa. Dessa forma a julgamos como boa ou má, como interessante ou desinteressante, baseado em traços das relações que tivemos com nossos cuidadores quando crianças, desde que nascemos, pois estamos o tempo todo repetindo essas relações do passado com as pessoas que estão na nossa vida atualmente.
Quando a relação de transferência está bem estabelecida, o paciente tende a colocar seu analista no lugar do pai, de forma inconsciente, tendendo a repetir na relação terapêutica a relação que teve com o pai desde a infância com sua presença ou ausência, o que também acontece com a analista mulher em relação a repetição da relação com a mãe, não importa a idade.
Nesse encontro do paciente com o analista, nesse "entre" permitido pelo distanciamento das opiniões pessoais do analista, é que se manifesta a transferência. Não é que o analista realmente se parece com alguma figura importante do passado do paciente, mas que o paciente capta tudo o que o analista fala ou faz como algo que estaria sendo direcionado para ele.
Qual a importância da transferência?
Com o estabelecimento da transferência o paciente se questiona sobre sua vida e supõe que seu psicanalista sabe algo dele que ele ainda não sabe e é isso que faz a análise andar. A boa transferência é aquela em que o paciente acredita que seu analista sabe algo dele próprio que ele ainda não descobriu. Assim é possível haver um trabalho de análise, que vai além de efeitos terapêuticos positivos, como diminuição de sintomas desagradáveis, mas também de descoberta do seu "mundo inconsciente", que promove uma transformação psíquica, uma vez que outra coisa importante que ocorre na transferência é o reconhecimento por parte do paciente de sua participação naquilo que ele se queixa.
A transferência de análise é diferente das outras?
Como já sabemos, a transferência acontece em todas as nossas relações, mas será que na análise, seria diferente? A resposta é sim, pois a postura do analista não é a mesma de um amigo, de uma mãe ou pai.
O papel do analista é ajudar o paciente a desvendar suas motivações inconscientes, seu desejo e suas repetições dolorosas, não de amar o paciente como seus pais, por mais que muito pacientes esperem isso do analista, este deve recusar a atender as demandas de amor feitas pelos pacientes se quiser ajudar o paciente a encontrar sua verdade inconsciente.
O paciente seguirá repetindo seus complexos, de inferioridade, de superioridade e outros na relação com o analista. Este terá o papel de fazê-las falar de dar lugar as suas origens e seu funcionamento, apontar suas repetições e intenções que o paciente tem com elas. Nesse processo o paciente acabará conhecendo mais de si e de seus padrões, o que ajuda o paciente a estar mais consciente de suas ações, o que torna sua vida mais desperta para tomar decisões mais interessantes e menos dolorosas para sua vida.
Por fim...
É a partir dessas repetições de relações tão importantes que o paciente teve na infância, que ao serem ditas, podem fazer ele refletir cada vez mais sobre suas escolhas e dificuldades que tem enfrentado. Através do trabalho junto ao seu analista que este vai se dando conta do seu discurso e de sua história.
É através da fala que o paciente pode fazer recortes, dos momentos marcantes, que o sujeito do inconsciente pode surgir abrindo novas possibilidades de interpretação sobre os acontecimentos da vida, retirando aquilo que não serve mais e produzindo novas significações nos retalhos soltos da sua própria história.
O autoconhecimento produzido na análise faz com que o paciente saia do lugar paralisante de não conseguir fazer nada, de ser vítima do outro de maneira masoquista, produz desejo de desejo, que não cessa e o faz ir além da demanda de ser objeto amado pelos outros, mas de poder também ser aquele que ama e não se cristaliza em um único lugar, que consegue dele sair quando necessário.

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